O marido estupra a mulher na noite de núpcias. Ela o ama, está feliz com o cenário em que passarão a primeira noite depois de casados, e ele, após uns goles de champanhe que foi aberto para comemorar o acontecimento, torna-se agressivo e violenta a própria esposa.
Por que?!
Ela iria consentir no sexo do amor, no sexo vivido em um cenário de beleza. Ela está feliz, seduz o marido, convida-o para o sexo.
Ela o quer, ela deseja seu homem.
E ele, num arroubo de violência, estupra a mulher. Ela fica com medo, pede que pare, ele torna-se agressivo, cala a boca.
O estupro é consumado.
O marido, depois de aliviado, larga a presa.
A esposa, em estado de choque, não consegue entender o recado do marido: você é minha, seu corpo me pertence, vou usá-lo ao meu prazer quando bem entender, você tem que se submeter, pois sou seu marido, tenho direitos absolutos sobre você, o seu desejo não conta, só conta o meu, e além de tudo, tenho mais força física. Cala a boca mulher, cala a boca.
Ele já vinha dando mostras de violência, impulsividade, falta de consideração, falta de confiança. Havia jogado fora o celular que ela havia comprado. Fica evidente para quem quiser ler o que ele pensa dela: você não presta, você é frágil, qualquer homem pode te pegar, por isso não tenho confiança em você.
Em outras palavras, a esposa não é uma pessoa, não merece consideração, muito menos respeito. É um objeto a ser dominado, submetido, humilhado.
Ele tem atração sexual por ela, porém além de objeto de atração sexual, o que ela representa para ele?
Uma surra alguns dias depois, leva a esposa ao hospital.
Por que ela perdoa o marido?
Palavras pronunciadas por ele, eu te amo, me desculpe, eu te amo, seriam ser suficientes para apagar a mágoa, a humilhação, a vergonha, a culpa que está sentindo?
Sentimentos muito fortes que destroem a auto estima, porém, rapidamente restaurada pelas palavras do marido: eu te amo, é por ciúmes, isso é prova de amor.
E assim vai ela, de auto engano em auto engano, sendo corroída internamente.
Este é o enredo da nova novela da Globo, O Outro Lado do Paraíso.
Muitas mulheres sentem culpa pelos abusos físicos e psicológicos que sofrem. A culpa é minha, não percebi que ele é muito ciumento, pois me ama muito. A culpa é minha, ele é imaturo, da próxima vez vou cuidar mais dele. Por conta da culpa, a mulher fica em silêncio, fica paralisada e fixada em um ciclo de violência da qual é difícil escapar.
Culpa do quê? Culpa em relação a quê?
Será essa a condição das mulheres que sofrem abuso e não conseguem sair dessa situação de sofrimento?
Será que, além da culpa, muitas mulheres suportam esses horrores por medo da solidão?
“Como a culpa se materializa? É subliminar. O jantar que eu não fiz, a roupa que eu vesti, a hora que eu cheguei. É sempre eu, eu, eu… A mulher está o tempo todo trazendo para si uma responsabilidade que está no outro. Ela própria se vê nesse papel”, afirma Aline Silveira, uma das idealizadoras do aplicativo Mete a Colher, app que conecta e aproxima mulheres, dando a elas força e coragem para sair de relações abusivas.
“Ninguém nunca pergunta sobre a atitude do homem, mas sim o que a mulher fez para merecer. Isso já é uma forma de responsabilizá-la pela violência sofrida”, reforça Renata Albertim, do mesmo coletivo.
Culpa que lhe é atribuída pelo fracasso do relacionamento, acusação que parte de si mesma ou de fora, de amigos, de familiares.
Uma das faces ainda mais cruéis da culpa é a violência sexual. Porque não basta ser violada, invadida, humilhada, a mulher ainda é responsabilizada pelo estupro que sofre.
A cada 11 minutos uma mulher é estuprada no Brasil.
Muitas são assassinadas: não se trata de crime por excesso de amor, de paixão. Mas de dominação, de posse. Um crime de ódio.
Não se trata de desejo sexual. Trata-se de dominação, relação de poder, sentimento de posse, autoritarismo, machismo,intolerância e naturalização.
Para diminuir o número de estupros, há que haver punição. O estuprador que não é punido vai estuprar de novo, além de poder encorajar outros a praticar essa violência perante a impunidade.
A punição é necessária, porém a justiça a esse respeito é elástica, depende do juiz. Ejacular nas pernas ou nas costas de uma mulher em um transporte público não é estupro para determinado juiz. Se isso acontecesse com sua filha, como ele julgaria?
No Brasil, a maior parte das mulheres não registra queixa por constrangimento e humilhação, ou por medo da reação de seus familiares, conhecidos e autoridades. Também é comum que o agressor ameace a mulher de nova violência caso ela revele a que sofreu.
Vamos acompanhar a protagonista, Clara, na novela O Outro Lado do Paraíso.
Vamos torcer para que ela consiga sair desse lugar de humilhação e sofrimento.
E torcer para que homens e mulheres, pensem e repensem sua atitudes frente à violência sexual.
A Globo, ao final do capítulo do sábado, divulgou o Disque Denuncia: 180.